domingo, 25 de maio de 2014

Múmias



MÚMIAS

Múmias:
envoltas em trapos,
repletas de fungos,
de cérebro extirpado
e guardado
em canóplias.

Múmias:
que pensam estar vivas
mas que morreram por dentro.
Com bandagens vedando
seus  rancores e suas pústulas,
suas falsidades e hipocrisias.

Múmias:
Que andam e que falam
sem saber andar e falar.
Que pensam que pensam
mas só decoram palavras
Múmias  miseráveis,
covardes e pútridas.

Tibor Wonten, 25 de maio de 2014.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Morangos mofados

Você chega e vem sempre trazendo um punhal,
que é pra poder ferir alguém mais uma vez.
Você chega e traz consigo seus demônios,
seus rancores que não consegue esquecer.
Você chega contando as mesmas histórias,
todas elas carregadas de mentiras.
Você chega sempre com uma máscara,
tentando iludir as pessoas ao seu redor.
Você chega e carrega consigo um fardo de dor,
e por isso não pode nem quer conhecer o amor.
Você chega trazendo sempre uma caixa de morangos
mas não percebe que todos eles estão mofados.
Os morangos estão mofados...
Os morangos estão mofados...
Os morangos estão mofados...


Janeiro de 2012

A BELA E A FERA

A bela tem olhos tão claros,
A fera tem olhos vermelhos.
A bela possui um afável semblante,
A fera é pintura de ódio e horror.

A bela é mulher singela,
A fera é animal voraz.
A bela abranda com a fala,
A fera fere com as palavras.

A bela está sempre sorrindo,
A fera anda sempre sizuda.
A bela possui compostura,
A fera vive e age por instinto.

A bela é um anjo recatado,
A fera é demônio malvado.
A bela quando canta encanta,
A fera quando grita assusta.

Mas quando a bela e a fera se encontram,
Quando seus corpos no chão se encaixam,
Suas línguas brincando loucas se enroscam,
A bela uiva de gozo e a fera se acalma no fogo...


4 de dezembro de 2012.

A BUSCA

Imerso em meio a minha loucura
Sozinho sigo pela noite adentro
Procuro estrelas num céu sem lua,
Tentando apaziguar meu tormento.

Tudo em vão, busca sem sentido
Como é infinda essa escuridão,
Que me deixa cego e oprimido
E converte em lágrimas a paixão.

Insisto, resisto, me exponho,
Escalo uma montanha sem fim
Eu me rasgo, choro e imploro:
Vida volte prá dentro de mim.

Eu quero me reencontrar por inteiro
Como quando eu ainda era criança,
Um pobre moleque sagaz e faceiro,
trazendo dentro de si só confiança.

Esperança de achar felicidade e calma
Dentro de um velho  tesouro enterrado
No fundo mais fundo de minha alma
Em um poço sem fundo há muito lacrado.

Janeiro de 2012.

Louvado Seja Deus

Louvado Seja Deus...
Louvado Seja Deus...

Hoje o Espírito Santo entrou
Em mim
               Por entre minhas veias...
Alcancei o Paraíso
E vi...
Sim, eu vi
Arco Iris de algodão doce...
Passarinhos movidos a penas elétricas...
Gatos com asas brincando com peixes no céu...
Frutas estranhas com sabor desconhecido...
Vi cores que nunca vi e que não posso descrever...

Louvado Seja Deus...
Louvado Seja Deus...

Hoje o fogo do Senhor entrou
Em mim
               Por entre minhas veias...
Incendiei-me, alcancei o Nirvana
Entrei em transe e flutuei...
Cantei mantras com anjos dourados
Dancei danças que eu desconhecia mas que sabia dançar
Viajei...
              Viajei...
                           Viajei...

Louvado Seja Deus...
Louvado Seja Deus...

26 de Dezembro de 2011

ESTÁ CHEGANDO O NATAL

Está chegando o Natal
E eu estou a fim de dar um tiro
Na cabeça do Papai-Noel...

Está o chegando o Natal
E depois de matar esse filho da puta
Queria fazer um churrasco
Com suas renas...

Está chegando o Natal
E os babacas andam pela rua acreditando
Que neste dia o mundo vai estar melhor...

Está chegando o Natal
E até lá milhares de crianças
Neste planeta congestionado de crenças
Vão morrer de fome e não receberão
Nem ao menos uma simples oração.

Está chegando o Natal
E a mesa da burguesia estará farta
Como sempre foi...

Por isso, se Papai-Noel cruzar o meu caminho
Eu vou assassinar o “bom” velhinho
E vai ser menos um cretino a encher meu saco
Com esta porra de discurso natalino canceroso.

23 de Dezembro de 2011

GAUDI

Devaneios,
arquitetura extraterrena.
Transcendente, ilimitada.
Formas vibrantes,
viagem além do tempo
e do espaço.
Sinfonia regida pelas pedras,
magia da criação,
milagre em formas perfeitas.
Divindade humana
encarnada nas terras de Espanha.


2010/2011

NÓS

Pedras na rua,
alma no chão,
cacos de vida
nas palmas de minhas mãos.
Onde está você?
Sombra eterna sobre mim.
O tudo que não pôde ser,
no tempo em que eu ardia,
chama que não apagava.
Sol, nuvem, lua.
Tudo em rotação.
Minha juventude navegando
em jardins etéreos.
Flutuáva-mos
eu e você.
Nossas mãos entrelaçadas,
corpos e mentes sem destino traçado...


12 de dezembro de 2011

PEDAGOGIA

A escola
transformadora
de homens em ovelhas,
de homens em ovelhas.
Ovelhas...
Ovelhas...


20 de outubro de 2010

O ESTORVO

A festa estava em festa
mas o estorvo chegou.
A viagem viajava sua viagem
mas o estorvo ia junto.
As visitas visitavam a casa
mas o estorvo presente estava.
O estorvo estava sempre presente
incomodando os olhos daquela gente,
atormentando a ordem vigente,
pensando pensamentos contrários
a normalidade estabelecida pelo sistema.
O estorvo estorvava.
O estorvo ali estava.
Algemado pelas mentes obtusas,
solitário, deslocado, desgraçado.
O estorvo era eu.
O estorvo era eu...


Setembro de 2010

NO CARRO

Dentro do carro
ainda escuto a frase
como se fosse ontem:
O estorvo veio?


22 de setembro de 2010

PRISÃO

Penitenciaria número XXX,
Telefone: XXX-XXXX.
Prisioneiro desde um mês de idade.
Os carcereiros não têm olhos eletrônicos,
mas enxergam os mais recôndidos lugares.
Sala de tortura da alma,
castração dos desejos,
sublimação dos sonhos.
Você tem que ser
o que está programado
por eles.
Você tem que fazer
o que é permitido
por eles.
Você tem que se transformar
no que eles querem
que você seja.


17 de setembro de 2010

PROIBIDO

Tudo era proibido:
dançar era proibido,
sair era proibido,
escrever era proibido,
cantar era proibido,
viver era proibido,
crescer era proibido,
amar era proibido,
não crer era proibido,
beber era proibido.
Só não era proibido
ser uma marionete.
Não-ser era permitido.


17 de setembro de 2010

DESPERTAR

Lembranças
tão vagas.
Fragmentos
da vida.
Momentos
perdidos.
Tudo se foi
tão depressa
que eu nem notei...
Quando acordei
percebi que os sonhos não existem,
que só os pesadelos são naturais.


9 de setembro de 2010

BANDEIRA VERMELHA

Bandeira Vermelha
da foice e do martelo
apesar de todos os erros
ainda a carrego comigo.

Bandeira Vermelha
operária e camponesa
apesar dos tempos duros
ainda a carrego comigo.

Bandeira Vermelha
Marxista-Leninista
apesar da tempestade
ainda a carrego comigo.

Bandeira Vermelha
do Partido Comunista Brasileiro
quando eu chegar ao fim da vida
que tu sejas minha mortalha
pois até durante a morte
a carregarei comigo.


1 de setembro de 2010

O FIM

O fim de minha existência
será para mim
o fim do mundo.
O término das cores, dos sons,
enfim,
de todas as coisas
boas ou ruins.
Eterno silêncio.
Sonho que nunca terminará
e que nunca será lembrado.
A infinitude do não-ser.
A não-existência.
O nada absoluto.
Nada,
apenas nada.


27 de agosto de 2010

NÃO SOU MAIS O MESMO

Não sou mais o mesmo,
admito...
Não sei no que me transformei.
Cansaço dos dias de outrora?
Sonhos feito espelhos partidos?
Incógnita...
Nenhuma resposta encontro
por mais que eu vasculhe
lá dentro...
Lá dentro de mim,
por trás de cada parede,
de cada armário,
embaixo do tapete...
Nenhum fragmento ou
partícula de pó.
Apenas a insossa e inodora
melancolia martelando impassível.

18 de agosto de 2010

DIA DOS PAIS

A casa vazia
o silêncio presente...
A ausência da esposa
e dos filhos.
É dia dos pais.

A casa vazia
domingo de agosto...
Solidão e desgosto.
Mil lágrimas nos olhos.
É dia dos pais.


9 de agosto de 2010

VAMPIRAS SILVESTRES

Vampiras não usam capa preta.
tampouco possuem presas.
Vampiras
se olham sempre no espelho,
geralmente estão acima do peso,
costumam vestir-se de rosa
e se deliciam com morangos.


15 de julho de 2010

PONTO FINAL

Ponto final.
Tão simples
sem vírgula...
Ponto final
de tudo,
da vida,
do que não pôde ser.
Ponto final.
Tão simples:
abrir as veias
e esperar.


12 de julho de 2010

NÃO ME ACORDE

Não me acorde...
Não ilumine meu quarto,
pois quero a escuridão.
Quero viver no mundo dos sonhos,
pois nele tudo o que poderia ter sido
apenas é.
Ilusão...somente se me despertar,
pois tudo é vivo e colorido,
tem forma, cheiro e sentido.
Surreal sentido...
Não me acorde,
não ilumine meu quarto.
Deixe-me viajar tranquilo,
pois quando acordo
não consigo me lembrar
de nada...

15 de junho de 2010

AS VEZES

As vezes
tenho vontade de queimar
todos os meus poemas,
todos os meus documentos,
todos os meus retratos,
todo e qualquer vestígio
de minha existência.


10 de junho de 2010

PERDA

O Partido ordena vigilância,
necessita de corações de aço,
de homens sem alma,
convictos da causa
e da inevitável revolução.
Ilusão,
inevitável ilusão...
Burocrata, não tive tempo
de conhecer o amor
e te deixei escapar por entre meus dedos.
Te perdi quando te conheci.
Te perdi a cada dia que passava.
Te perdi porque simplesmente
não falei que te amava.
Amor não era palavra de ordem,
não estava na pauta do dia,
não cabia na greve
e nem estava estampado
em nossa vermelha bandeira.
O amor era algo para o futuro...
Futuro radiante: a restauração do paraíso.
Cabia a nós esperar esse dia,
o dia da redenção.
E eu, esperando por ele,
te perdi para sempre.


Junho de 2010

ESTRANHO

Estranho...
Sinto-me um estranho
dentro de casa.
Alheio...
Alheio as coisas, as conversas.
Nada...
Nada me interessa.
Tudo é ilusão.
Nada valeu a pena
Solidão...
               Solidão...
                              Solidão...
Um eterno vazio
que me corrói.


8 de maio de 2010

ESPERA

Tentar dormir
com o zumbido dentro dos ouvidos.
Tentar acordar
apesar de drogado e entorpecido.
Tentar viver
enfrentando desilusões diárias.
Quanto tempo mais vou resistir?
Será que vale a pena resistir?
Sono eterno
te espero
de portas abertas
e com o coração fechado.

24 de maio de 2010

NA TELA

O filme vive na tela
imagens irreais
coloridas ou em preto e branco.
Filmes mudos ou sonoros
Fragmentos...
Imagens captadas em celulóide...
digitalizadas.
A única coisa morta na tela
é a vida...a vida real.


18 de maio de 2010

NO FINAL DE TUDO

No final de tudo
nada restará:
fotos,
         afagos,
                    lembranças,
livros,
         beijos,
                    sentimentos...
Sobrarão pó e esquecimento.

18 de maio de 2010

TENTO SER FELIZ

Tento ser feliz...
tento,
mas não consigo.
Meu sorriso é fraude...
Minha alegria é falsa...
Teatro...
Minha vida é um teatro.
No palco enceno comédia,
mas no fundo,
bem lá no fundo,
tudo não passa de uma tragédia.



14 de maio de 2010

UM DIA

Um dia tive sonhos:
utopias invisíveis
que se esfacelaram no concreto frio
da realidade cotidiana.
Hoje possuo apenas feridas
chagas gangrenadas que aguardam
o ponto final da existência humana.
Momento inevitável
onde serei pó e esquecimento.


14 de maio de 2010

VAZIO Nº2

Solidão...

Angústia 
              feito faca
retalha
a carne de meus versos...

Vácuo...
Coração:
              nuvem
que se esvai
nesta noite de novembro...



24 de novembro de 1987

CENA NA SALA DE AULA

O profesor
vocifera Bachelard...

As menininhas
trocam bilhetinhos...

Eu
procuro poesia.


6 de abril de 1989

AVÓ-MÃE

Aponte meu caminho.
Construa meu destino.
Tenho medo de ir sozinho,
de tropeçar em minhas próprias pernas,
de me sentir perdido.

Seja um anjo da guarda
protegendo a minha vida.
Seja a brisa leve a me conduzir
pelas curvas de uma estrada.
Seja minha estrela Dalva,
companheira das manhãs,
fonte de intensa luz.

Estarás sempre presente
iluminando meu futuro.
Minha Avó-Mãe agora ausente
é um pedaço que me falta.

É uma mão que me ampara
surgindo de minhas lembranças,
que acolhe sempre meus temores
e me faz sentir confiante.



Maio de 1994

JUDAS

Prefiro enforcar-me nos ramos da figueira
do que nadar nas águas da inconsequência.
Renego as moedas do inimigo:
não negocio com o que por dentro sinto.
Proponho, me exponho, retenho o tiro
até perceber a imobilidade do alvo.
E, com a gana da fera sorrateira,
abato o adversário com selvagem fúria
irreprimida, incontida, guardada comigo
por incontáveis dias de sofrimento.


24 de maio de 1994

AOS SAPOS (Dedicada ao Ricardo Felippe)

Pânico!
            Pânico!
                        Pânico!
Pânico no salão...

A hipocrisia sentiu-se ofendida
pois o poeta falou um palavrão.

Congelem a imagem da filmadora:
este ato não entrará para a posteridade.
Sapos são feitos para o pântano!
Sapos barbudos estão condenandos ao ostracismo!
Não servem para entrar na poesia.

Indecente!
                Indecente!
                                 Indecente!
Bradam os puritanos de ouvidos vírgens
e lábios impolutos
que nunca falaram um palavrão
(e que também nunca entenderam poesia).

Alheio aos comentários
o poeta recolhe seu poema "sapoembarbudado"
enquanto a serpente
se afoga em seu próprio veneno.


6 de dezembro de 1995

NÃO BASTA

Não basta pensar;
é necessário a faca.

Não basta reclamar;
é necessário o murro.

Não basta gritar;
é necessário a bomba.

Para que
              de pé
                       não fique
o muro.
Porque
           palavras
                        não desgastam
o concreto,
os fatos concretos.

Por isso a necessidade:
                                   da faca,
                                   do murro
                                   e da bomba.


Dezembro de 1995

PODER

Você pode transformar o dia em noite
calar o ruído das ondas do mar.
Você pode apagar as estrelas no céu
enviar furacões aos milharais
fazer tremer a Terra inteira.

Há poder suficiente para isso
em tuas mãos.

Você pode deter a força do rio
minguar a pressão das correntezas.
Você pode controlar o canto dos pássaros
sufocar o aroma das flores
azedar a doçura do mel.

Há poder suficiente para isso
em tuas mãos.

Você pode domar os leões
adiar a brisa da tarde.
Você pode manipular os vulcões
atrasar o vôo das gaivotas
transtornar a órbita dos planetas.

Há poder suficiente para isso
em tuas mãos.

Mas nada neste universo
poderá deter a inexorabilidade
dos cupins
roendo o trono de Vossa Majestade.



Dezembro de 1994

DECLAMAÇÃO DO POEMA

Quero declamar um poema
que profane teu imaculado altar.
Que te incomode causando vertígens
e que a noite te provoque insônia.

Quero declamar um poema
venenoso como a cicuta que matou Sócrates,
terrível como um círculo do inferno de Dante
e que inquiete tua majestade.

Quero declamar um poema
que arranque tua máscara,
que enfraqueça sua sanha,
que rompa as cordas do teu chicote.

Quero declamar um poema
que liberte as manhãs de tua tirania,
que rompa as grades desta prisão,
que anuncie uma primavera infinita.


1994

TRAGÉDIA

Abram as cortinas do dia!
A vida é um grande teatro.
E o que tens estampado em teu rosto
certamente não passa de uma máscara.

Mas, não serei tão ingênuo
a ponto de pedir que a retire
diante da platéia.
Apenas terei a cautela
de por a máscara que me cabe
e encenar, da tragédia,
mais um ato.


1994

OLHARES

Mil olhos disfarçados me observam
vigiando o que leio, escrevo e penso.
Mil olhos sorrateiros me contemplam
perseguindo o que falo, canto e acredito.

Mil olhos atônitos que não enxergam
nada além de sua estúpida cegueira.


26 de setembro de 1994

DANÇA DA NUVEM

Dança no céu a nuvem...
Branca, branda, flutua nua
e se esvai no caminho dos ventos.

Dança ao léu a nuvem...
Mudando de formas lentamente
feito poeira celeste brincando.


1 de junho de 1988

PAISAGEM DA LAGOA RODRIGO DE FREITAS

Prédios
            prédios
                        prédios
                                    prédios
cinzentos.

Ruídos
           ruídos
                     ruídos
                               ruídos
de veículos.

Peixes
          peixes
                    peixes
                              peixes
mortos.

Vôo
       Vôo
              Vôo
                     Vôo
das gaivotas
manchando
                  a pureza
                               da manhã.


Agosto de 1986

POEMA HEREGE

Senti na hóstia
o gosto do ópio.

Bebi no cálice
a mentira do vinho.

Provei a farsa
da carne e do sangue.


Janeiro de 1986

RELATO

Nasci em 1964
em meio ao medo
                           e as incertezas
reinantes pelas ruas de meu país.

Cresci nas entranhas de uma ditadura
militar fascista
sem saber que ela existia
e que dela resistiam
                              dia
                                   a
                                      dia
clandestinamente
pessoas de vida marcada
por prisões
                 torturas
                             mortes
e exílios forçados.

Janeiro de 1985

CLANDESTINO

Eu vivo nas sombras da noite:
ante a morte, não me desespero.
Eu tenho esperança na foice
e orgulho do martelo.

Agosto de 1986

AD INFINITUM

Um ser humano brota por dentro;
o poema nasce.

Um ser humano cresce e se define;
o poema amadurece;

Um ser humano parte deste mundo;
o poema permanece.


Agosto de 1985

BAILARINA

Como num passe de mágica
por alguns instantes
                              flutua
sobre o palco.
Fada
        mística
                   soberana
de seu corpo emana
a leveza dos pássaros.

Outubro de 1985

ZONA SUL

Nos prédios luxuosos da Zona Sul
só porteiros, faxineiros
e empregadas domésticas me comovem.

O resto,
             me aborrece.

Março de 1987

MEU CRISTO

Meu Cristo não é reza,
                           hóstia,
                           vinho
                           ou cruz.

Meu Cristo é paixão,
                     rebelião,
                     revolução.

29 de dezembro de 1986

POEMAOVENTO

Ven
      to
         so
             pran
                    do,
fo
   lhas
         vo
             an
                 do.
Ven
      to
         vo
             an
                 do,
so
    pran
           do
               fo
                  lhas.


Maio de 1986

FRAGMENTO

Hoje,
         furtei da madrugada
         um fragmento da paixão:
uma marca de batom
                                pequena
na gola de minha camisa.

1 de dezembro de 1985

VAZIO

Nenhuma palavra
no céu de minha boca.

Nenhum poema
na ponta de minha caneta.

20 de novembro de 1985

HORÓSCOPO

Debruçado sobre a metafísica
procuro no meu e em teu sígno
um sinal.

Alguma chance a mais
que não tenha sido esgotada...

15 de outubro de 1985.

ENTRE GRADES

Atado as grades ideológicas
o ser humano degenera
e toca a fímbria da irracionalidade.
As flores rubras de outubro
me perfumam
mas não me limitam.

Agosto de 1985

A POESIA

A poesia tem que ser
                                ativa,
ou melhor:
                subversiva.
Pode ser
             sem métrica
e até sem rima.
Mas
       de maneira alguma
       poderá sofismar.
A poesia não pode
ser infensa ao amor
alérgica ao lirismo.
A poesia tem que ser
                                uma vertigem
                                um devaneio
que alcance a fímbria
dos corações
levando-lhes não apenas
                                     cantilenas
mas sim
             algumas verdades
             mesmo que sejam
             nuas e
             cruas.


Junho de 1985